quinta-feira, 2 de julho de 2015

André Moraes - Mãos à Obra de Arte - #1 - Mozart freelancer



#1 - Mozart freelancer

           
“Você trabalha com o quê, mesmo? 
Artista? Ah….tá, mas você dá aulas de artes então?”

Caras de espanto e dúvida quando nos apresentamos como artistas, aquela incerteza sobre o que faz um artista no dia-a-dia, não são raras de se ver. É comum que muitos tenham enfrentado as próprias incertezas no início dessa trajetória e, mesmo aqueles com mais experiência, reencontram seus fantasmas ao fim de um projeto, quando um patrocínio é negado, quando não há ideias novas para seguir em frente. Como se não bastasse esta profissão ser um tanto nebulosa, vivemos numa economia em transformação. Para refletir sobre a carreira do artista e sobre o mercado de trabalho, esta coluna trará mensalmente algumas ideias que podem clarear esse caminho ou, no mínimo, te mostrar que não é o(a) único(a) nesse furacão.
           
            Nesta primeira matéria vamos falar de um músico que começou a mudar a relação trabalhista do artista há um bom tempo:

            Wolfgang Amadeus Mozart (1756 - 1791), nascido em Salisburgo (atual região da Áustria), filho do compositor e segundo Mestre de Capela do Arcebispo local, foi um garoto prodígio na música, como se sabe. O fato dele demonstrar bem jovem suas habilidades musicais (cerca de 4 anos) fez dele um fenômeno, um viral muito antes do YouTube. Dos 6 aos 15 anos ele viajou toda a Europa exibindo-se para as diversas cortes, lendo partituras à primeira vista, improvisando fugas e variações, além de tocar obras conhecidas e suas próprias composições. O pai, um reconhecido músico da época, abdicou da profissão estável para ensiná-lo, levá-lo a viagens e propagar sua fama. Desta forma, de uma maneira não muito planejada, surgiu o músico autônomo!

            Aos olhares atuais talvez isso não pareça incomum, mas pra época era. Ao longo da história os artistas, artesãos e menestréis já romperam o abismo social entre “Aristocratas e Servos”, entre “Clero e Leigos”, pois o talento sempre abre portas. Novamente Mozart havia rompido uma barreira, pois nenhum músico ou compositor vivia de sua profissão sem um mecenas, em sua época. Ele realizava concertos, compunha obras por encomenda, dava aulas de instrumento para filhos dos nobres, era um músico de várias empreitadas.

            Vamos aprender algumas coisas com a trajetória dele:
  • Recebeu uma formação sistemática e ampla na área musical com seu pai (aprendeu instrumentos de teclado e cordas, estudou os estilos galante, erudito e sacro, etc.);
  • “Compunha todos os dias a horas certas” (GROUT e PALISCA, p.528), tinha disciplina e organização como aliados da criatividade;
  • Absorveu os vários estilos de composição da Europa de seu tempo. A cada viagem, se alimentava das tendências musicais dos locais onde passou;
  • Aprendeu com os grandes, tanto de sua época, como Joseph Haydn, quanto com seus antecessores, como Johann Sebastian Bach, aos quais deixou homenagens musicais;
  • Diversificou sua forma de atuação, não permanecendo apenas no lugar do intérprete virtuoso, mas foi compositor e professor de música.
            Wolfgang, para os íntimos, também passou por períodos de crises, como entre 1777 e 1779, após viagens a Munique, Mannhein e Paris, acabou voltando pra sua província sem conseguir trabalho. Pelo contrário, voltou com uma grande perda: sua mãe que o acompanhava em Paris (falecida em julho de 1778). Em 1782, já em Viena, ele era o músico mais procurado para aulas particulares devido ao sucesso de “O Rapto do Serralho”, estava em alta novamente. Mas cinco anos mais tarde aceitou desesperadamente o cargo de compositor do imperador por um salário que mal lhe sustentaria.

            Logo, gênios ou não, não é novidade aos artistas a instabilidade da profissão. Porém, a autogestão traz consigo a independência criativa. Mozart abriu o caminho, movido por sua personalidade insubmissa, para que artistas unissem o trabalho ao impulso criador.

            Não há uma fórmula para escapar dos percalços e crises, mas só é possível gerenciar estes momentos se utilizarmos as boas fases como suporte (criando reservas) e se mantivermos nosso impulso criador ativo, vívido. A ousadia de se lançar em projetos desafiadores depende da serenidade de administrar as boas fases.

Então,
Mãos à obra… de Arte!


Referência Bibliográfica:
GROUT, Donald; PALISCA, Claude. História da Música Ocidental. Lisboa: Gradiva. 1994. 5a edição: 2007.






André Moraes é violonista, cantor e compositor. 
Formado em Educação Artística na UNESP e Pós-Graduação em Educação Musical na Faculdade Cantareira.
Lançou em 2015 seu primeiro CD de canções. Leciona violão e coordena o curso de Canto da ETEC de Artes - Centro Paula Souza. Também trabalha ministrando aulas de musicalização infantil e como músico, performando nas aulas da Escola de Dança de São Paulo (EDSP) - Theatro Municipal. Compõe trilhas sonoras e dirige a Cia. Mover ao lado de sua esposa, a bailarina Peticia Carvalho, realizando projetos de linguagens artísticas integradas e formação de público para as Artes.


www.andremoraes.mus.br/

Liberdade, inclusão e diversidade são valores distintos: 
o Cena Norte apoia a expressão, entretanto não se responsabiliza pelas ideias de cada artista veiculadas nos artigos.


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