Um herói Silva pra história de muitas
histórias...
Todos
nós conhecemos inúmeras histórias de grandes heróis daqui e de longe, de homens
valentes da história do mundo e daqueles super-heróis que combatem todo o mal, que
lutam contras as injustiças. Desde criança aprendemos a admirar esses exemplos
e compadecidos com as dores dos oprimidos, degustamos com grande sabor suas bravas
aventuras. Mas tenho uma predileção especial pelos heróis do dia a dia, pelos
heróis comuns, aqueles que não saem em manchetes de grandes jornais, não têm
suas biografias deflagradas em livros de quinta série e nem têm seus
superpoderes veiculados em desenhos animados, em séries televisivas ou coisa
parecida; tenho real interesse pelos heróis ímpares que na sua pluralidade de
olhar ganham corações, pelos ideais que perseguem ao longo de seu legado. É de
um herói assim que quero contar...
Ele
contou como um bom matemático sua atenção pelo lado mais humano. Quantos
podemos salvar? Ele queria salvar TODOS! Essa é
a melhor ambição que se pode ter, se é utopia ou não, que fique à mercê da
nossa dedicação e dos nossos sonhos. Amor exato pela educação e
liderança de uma soma fácil de entender que conduz uma operação onde um mais um
é sempre mais que dois. Proseou como bom maestro que conta sua regência numa
noite enluarada.
Aposto
que ele não sabe quantas vezes convenceu um jovem a estudar multiplicado pelas
infinitas conversas serenas com outros tantos jovens carentes de atenção;
tampouco tem exatidão da quantidade de reuniões que conduziu, das emergenciais
às protocolares, das menções aos pais às escolares, dos conselhos aos eventos
solenes, populares... Essa conta ele não sabe fazer! É impossível medir o
amor... Gosto dessa frase, pois tem coisas que não somos capazes de medir
mesmo.
Definitivamente
ele não é homem de papel, pois EDUCAÇÃO se faz com ATITUDE, com olho no olho,
com AÇÃO imbuída de esperança, com força alicerçada de respeito ao próximo; ele
não é homem de papel e carimbo, é homem de palavra e palavrado está aqui em
meus adjetivos mais honrados. Ele não é diretor de gabinete, porque liderança
se conquista; jamais se impõe e não basta estar presente, tem que se fazer
presente. Ele não é um cargo é uma humanidade em estado de permanente alerta,
pois numa sociedade que rotula o tempo todo é preciso estar alerta para
detalhes que faz toda diferença nas relações humanas. Ele não é homem de bu(r)rocracias,
é homem certeiro, tem alvo, sabe onde vai, porque vai junto, com o ego abaixo
da linha dos olhos, em seu devido lugar, homem de crédito (longe de qualquer
conceito capitalista) aquele que credita honra, (a)credita sonhos e metas,
ousa. Ele é homem-semente porque sabe brotar em ideias, sabe ramificar sonhos
novos e repito: ousar, esse verbo lhe conjugou a vida, à frente de seu tempo.
Demoliu paradigmas e deu rasteira em status
quo, quando eu crescer quero ser assim!
Certa
vez cheguei na escola e vi o diretor pendurado sob o telhado, tentando
consertar uma das telhas que tinha quebrado; minutos mais tarde, uma mãe de
aluno me perguntou se eu sabia onde estava o diretor, eu sem hesitar, chamei
aquela senhora para ver ali daquela janela, onde estava aquele diretor a
prevenir que a chuva que o céu anunciava pudesse prejudicar o recreio das
crianças e jovens que aconteceria minutos depois. A senhorinha riu e disse
assim “Nossa, como ele é né” eu brilhei os olhos e respondi “É, ele é mesmo!!!”
Parece simples, e é mesmo simples, mas é na simplicidade que se conhece os
grandes homens. Ele nunca foi de terceirizar responsabilidades, de protelar urgências,
de se eximir de culpas; assumia para si mais do que pensassem ser dele; por
isso o admiro tanto.
Nesses
quase oito anos em que trabalhamos juntos ele me concedeu liberdade absoluta
para criar caminhos sólidos de uma arte/educação fundamentada no humanismo, na
pluralidade e, sobretudo, na INVENÇÃO. Pudemos inventar muito, reinventar,
transgredir, subverter a ordem de um sistema (para mim) dilacerado pelo tempo
que ruge feito leão faminto. Rio agora em caminhos lacrimais defronte um
computador, lembrando das vezes em que passou pelas minhas aulas de ARTE e ria
de longe, talvez por achar “loucura demais” aquelas peripécias todas, mas
sempre respeitando meu jeito escrachado de lecionar, provavelmente por
acreditar onde aquela “coisa” iria desaguar: em afetos e pensamentos com a
molecada. Obrigado pelo passaporte jovem diretor de cabelos grisalhos.
Sempre
fiz questão mencionar esse jeito de GOVERNAR uma escola em minhas falas por
onde passei, aqui e fora do país, em palestra para universitários ou em comunidades,
em conversas informais com colegas e grupos de estudos, até porque infelizmente
esse jeito de gestar não é comum na gestão publica, embora deveria.
Me
emociono pela minha profissão, minha bandeira de luta e militância ser a
educação, mas acima de tudo por ter dividido sonhos com seres humanos desse
nível, como ele. Eu tive o privilégio de ser liderado por esse homem que se
aposenta e deixa sua história de vida até aqui como um belo presente à EDUCAÇÃO
PÚBLICA, à humanidade. Enquanto tantos consideram seus heróis apenas alguns que
chutam uma bola num campo, eu prefiro, dentre tantos, um lutador que teve a
educação como seu lema, seu alvo e seu manto. Carlos da Silva, diretor escolar aposentado;
tem meu eterno respeito, admiração e gratidão!
Tiago Ortaet é ator, diretor teatral, poeta, arte/educador nas redes públicas estadual e municipal de São Paulo, atuante em ONGs e pesquisador acadêmico.
www.facebook.com/tiagoortaetoficial
Liberdade, inclusão e diversidade são valores distintos:
o Cena Norte apoia a expressão, entretanto não se responsabiliza pelas ideias de cada artista veiculadas nos artigos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário